Cartas da Corte
Dentro dos grupos de cartas do tarô – arcanos maiores, cartas numeradas e cartas da corte – alguns recebem maior importância dentro dos estudos e outros, mais especificamente, as cartas da corte, não são amplamente exploradas e estudadas, prevalecendo, ainda hoje, significações rasas e estereotipadas. Talvez, isso se dê pela complexidade que esses arcanos possuem, sendo necessário entendermos primeiramente que papel elas ocupam dentro da estrutura do tarô para de fato, compreendermos quais significações elas trazem e como se dá a interpretação da figura (pajem, cavaleiro, rainha e rei) somada ao naipe correspondente (paus, copas, espadas e ouros).
Quando falamos a respeito da estrutura do tarô, as cartas da corte são uma ponte, um elo que une os arcanos maiores às cartas numeradas. Ou seja, são elas que fazem a transição dos arcanos maiores aos arcanos menores e isso se estende para a importância e significações que cada grupo possui. As cartas da corte possuem significações maiores que as cartas numeradas e menores que os arcanos maiores. E isso fica ainda mais claro quando observarmos a imagética das cartas da corte. Elas possuem padrões simbólicos que se assemelham tanto aos maiores quanto aos menores.
As cartas da corte possuem ilustrações de pessoas e um nome na parte inferior da carta, o que nos lembra a estrutura imagética dos arcanos maiores, com exceção dos números na parte superior. Mas também se assemelham à estrutura das cartas numeradas porque trazem a representação dos naipes e mantêm uma estrutura crescente, mesmo que essa não seja numeral e sim hierárquica.
Entendemos como esse grupo se encontra dentro da estrutura do tarô, mas o que elas representam de fato?
Devemos lembrar que a representação, tanto das cartas da corte que se desenvolvem com as cartas de jogar, quanto os trunfos (que posteriormente vão ser chamados de arcanos maiores) nascem da representação social da época – representação que fica restrita à monarquia e à nobreza.
Tendo a monarquia como a base simbólica das cartas da corte, temos Pajens, Cavaleiros, Rainha e Rei. E para entendermos melhor a representação de cada figura dentro do tarô, precisamos compreender as funções que cada posição possui, sejam elas sociais ou serviçais.
Pajens
O pajem era um tipo de “aprendiz”. Muitas vezes eram descendentes de famílias pertencentes à nobreza, que residiam com outra família, como forma de selar acordos e crescer politicamente, já que a criança crescia rodeada de pessoas influentes e poderia se tornar um adulto com forte influência social. Prestavam serviços como forma de aprender a respeito do sistema senhorial e receber educação condizente com seu status social em castelos e casas das grandes famílias. Exerciam funções básicas, como organizar aparatos dos senhores da família ou dos cavaleiros, enviar e trazer mensagens da nobreza e da realeza.
Na Idade Média, o pajem poderia exercer sua função como um servo de cavaleiro, iniciando o seu trabalho aos 7 anos de idade aprendendo o básico, como ler, escrever e a caçar. Aos 12 anos de idade o aprendiz se tornaria um escudeiro, acompanhando o cavaleiro nos campos de batalha e aprendendo sobre o manejo de armas. E somente entre 18 a 20 anos, o então escudeiro, se torna adulto e apto a se transformar em cavaleiro.
Traçando um paralelo com o Pajem do tarô, já podemos notar aspectos da representação simbólica. O Pajem é o estágio inicial de desenvolvimento do naipe dentro da corte. É ele que traz a abertura e as novas possibilidades com foco no aprendizado e desenvolvimento do naipe ao qual ele representa. Ele é o aspecto inicial, portanto pode se apresentar como uma mera curiosidade, especulação e experimentação, mas que sem isso, não teríamos acesso a todas as oportunidades que se abrem após o primeiro passo. Se não nos colocarmos na posição de aspirante, nunca seremos mestres.
Cavaleiros
Como vimos, o pajem se torna cavaleiro e aqui, já temos uma noção do movimento evolutivo das cartas da corte.
O cavaleiro fazia parte da nobreza e, geralmente, era o filho que não tinha direito a herança, porque essa ficava restrita aos primogênitos.
Os cavaleiros eram figuras de grande importância na Idade Média. Porque eles assumiam o total compromisso, fidelidade e submissão aos seus senhores e reis, entregando suas próprias vidas para lutar e defender o seu território dos inimigos e ameaças externas. Eles eram a representação do poder militar, quanto mais cavaleiros um nobre possuía, maior era o seu poder e domínio.
Costumo chamar os Cavaleiros do tarô de “os ideais de cada naipe”. Porque só quem carrega um ideal é capaz de lutar e defendê-lo a qualquer custo.
Se os Pajens representam as aspirações, os Cavaleiros são a mobilização para que possamos realizá-las. E a movimentação e a propagação dos propósitos do naipe. São os cavaleiros que empregam energia de ação, buscando mudanças, mesmo que para isso precisem correr riscos. A única coisa que ele não pode abrir mão é da sua própria busca.
Rainhas
Quando falamos em rainhas, temos que entender que existe a rainha reinante, ou seja, a rainha que tem poder efetivo sobre o reino (que é algo bem raro, pelo fato do próprio patriarcado), e a rainha consorte, que é a esposa do rei que governa de fato (historicamente, muitos reinos proibiam a sucessão por mulheres).
Como sabemos, a igreja tem papel fundamental na Idade Média e ela foi a grande responsável pela censura do poder das mulheres. Como algo bastante citado na época, apóstolo Paulo, em I Coríntios 11:3: “Mas quero que saibais que Cristo é a cabeça de todo o homem, e o homem a cabeça da mulher; e Deus a cabeça de Cristo.”
Sendo assim, o papel da Rainha dentro da corte, é o papel inspirado na Virgem Maria. Ou seja, a figura da mulher “bela, recatada e do lar”. A mulher provedora que cumpre a função de gerar herdeiros HOMENS para a manutenção do poder monárquico. Sua função ficava restrita à organização da corte. Era ela que organizava eventos sociais e se ocupava de funções que contribuiam para a manutenção da educação e disciplina dos seus serviçais e da corte, bem como de manter e criar laços sociais com a nobreza e assim perpetuava forte influência social e carismática, mas o seu poder, ficava restrito à isso.
Antes de falar da representação simbólica das Rainhas, quero deixar bem claro que as cartas da corte não se resumem à gênero. As cartas da corte representam máscaras, posicionamentos, comportamentos e até mesmo, situações. Elas podem sim indicar pessoas, mas pessoas que correspondem aos atributos e características comportamentais e/ou sociais e não somente de gênero.
No tarô, as Rainhas representam a autoridade do naipe, assim como no contexto histórico, elas “governam” a estrutura interna. Ou seja, é ela que dá estrutura e condições para que o naipe exista. Ela é quem nutre e alimenta a força do naipe ao qual ela representa.
Ela é o processo de internalização do naipe, como se ela e o naipe fossem um só, é ela que nutre e dá corpo ao naipe. Como está voltada ao desenvolvimento e nutrição interna, é uma grande conhecedora de si e é exatamente isso que traz a capacidade de compreender o outro e o coletivo. Ela exerce influência porque possui grande habilidade interpessoal, comunicativa e de persuasão. Sua maturidade e consciência emocional dão a ela potencialidade para lidar com situações que exigem foco na elaboração, porque se preocupa com o suporte, cuidado e a manutenção.
Reis
O rei é o governante do reino, o chefe do povo. O seu papel é comandar, e isso significa que ele é o responsável por estabelecer normas e leis, bem como dizer o que deve ou não ser feito, e quando. De forma geral, ele detinha o poder soberano sobre o povo, isso inclui a nobreza, podendo julgar, avaliar e definir valores e até mesmo, posses.
Porque ele representa a máxima autoridade e detém o domínio sobre tudo o que possui.
No tarô, os Reis representam o estágio do total desenvolvimento do naipe. Eles “governam” o naipe com pleno domínio, direcionando-o para a ação exterior. Ele é o especialista sobre assuntos de determinado naipe, ele o conhece como ninguém e tem todas habilidades necessárias para extrair tudo que o naipe tem a oferecer. Por ter essa autoridade, eles possuem presença marcante e suas atitudes são decisivas, direcionadas e com foco na ação. Sempre conseguem o que querem e não desperdiçam tempo.
Passamos por todas as figuras da corte e vimos a relação simbólica com a realeza. Agora, tente imaginar cada naipe como um reino, com suas particularidades, potencialidades e limitações, e as figuras da corte cumprindo, cada uma, a sua função.
Como agiria cada figura em seu reino? Quais características se potencializam em cada naipe e quais delas decaem?
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